domingo, 18 de dezembro de 2011

Pesquisa temática: O Livre-Arbítrio


O que é o livre-arbítrio?


Um questionamento que atravessa toda a história da Filosofia e ainda se faz presente em discussões contemporâneas, tendo importância fundamental para a Metafísica, a Ética e a Filosofia da Mente.
Arthur Schopenhauer, filosofo alemão do século XIX, ao tratar do problema do livre-arbítrio, prefere começar definindo três tipos de liberdade:
1. A liberdade física: A potência de agir sem qualquer obstáculo de natureza material.
2. A liberdade intelectual: Aquela que Aristóteles entende significar com as palavras: reflexos voluntário e involuntário (Consta apenas para apresentar a lista completa de subdivisões do conceito de liberdade, mas não se aprofunda).
3. A liberdade moral: Que corresponde ao livre-arbítrio.
No caso da liberdade física, a ausência de obstáculos é suficiente para constitui-la, assim desde que nada me impeça, sou livre para fazer o que quero, de acordo com a minha vontade. Para Schopenhauer este “o que quero” já pressupõe a liberdade moral, nos conduzindo ao problema: “A vontade em si mesma, é livre?” (Schopenhauer, 1984).
A potência de agir da liberdade física agora é encarada como potência de querer para a liberdade moral, onde nos questionamos se o próprio querer é livre.
Mas quanto à liberdade do querer, não basta perguntar se realmente queríamos o que queríamos, pois teríamos que nos perguntar se realmente queríamos o que queríamos que queríamos, e se realmente queríamos o que queríamos que queríamos que queríamos, e assim ad infinitum.
Schopenhauer entende esta liberdade do querer como a simples ausência de toda a força necessitante. Para ele, necessário é tudo aquilo que resulta de dada razão suficiente e a vontade livre seria aquela que não está submetida a isso, mantendo uma visão kantiana, liberdade seria o poder de começar por si mesmo uma série de modificações, onde este “por si mesmo” deve ser entendido como “sem causa antecedente”.
Esta introdução ao problema do livre-arbítrio por Schopenhauer nos dá uma ótima noção de o que é o livre-arbítrio tratado filosoficamente, longe de ser um conceito bem definido, é um problema que está intrínseco a própria natureza do filosofar.

Realmente somos livres para escolher?

Grosso modo, o livre-arbítrio pode ser definido como a nossa capacidade de fazer escolhas e ser fiel a elas sem que estas sejam determinadas por qualquer necessidade natural ou social.
Então está intrínseca ao livre-arbítrio a ideia de que quando nada nos determina, nós fazemos uma escolha, sendo agentes causadores no mundo e não movidos simplesmente pelo azar, como se cada um de nossos atos fosse mero acaso ou aleatoriedade. Logo, a visão filosófica que sustenta isso, chamada indeterminismo, é incompatível com a noção de livre-arbítrio.
Mas será que é possível realizar uma ação de escolha trivial qualquer, sem nada físico que possa impedi-la e nenhuma pressão psicológica agindo sobre ela? Seriam nossas escolhas livres ou determinadas por tudo que as antecedeu?
O filósofo contemporâneo Thomas Nagel define a visão chamada determinismo como aquela em que:
“(...) em cada situação, as circunstâncias que se apresentam antes de agirmos determinam nossas ações, tornando-as inevitáveis. A soma total das experiências, dos desejos e do conhecimento de uma pessoa, sua constituição hereditária, as circunstâncias sociais e a natureza da escolha que ela tem diante de si, juntamente com outros fatores que talvez desconheçamos, combinam-se para tornar inevitável uma ação particular nessas circunstâncias.” (Nagel, 2001).
Em sua tese de doutoramento, o filósofo alemão do século XIX, Karl Marx mostra que Demócrito de Abdera, filósofo grego contemporâneo de Sócrates, já possuía uma visão determinista contida em sua teoria atômica (Marx, [s.d.]).
Embora uma visão determinista a principio pareça negar o livre-arbítrio, alguns filósofos defendem uma visão chamada compatibilismo, na qual determinismo e livre-arbítrio não se mostram incompatíveis quando enfraquecemos a noção de livre-arbítrio e a tomamos apenas como a capacidade de que nós ajamos segundo nossas próprias crenças e desejos.
As três visões se mostram atraentes, mas sem dúvida, o indeterminismo, o determinismo e o compatibilismo ainda são problemáticos diante de todas as facetas de nossas vidas e do universo que se apresenta diante de nós a cada novo dia.

Visão Interna e Externa de Nagel

Uma interessante forma de encarar o problema foi colocada pelo filósofo Thomas Nagel, que separa uma visão externa e objetiva de uma visão interna, onde as duas diferentes visões nos levam a diferentes conclusões.
A visão que Nagel chama de externa é aquela na qual os eventos de ordem natural (determinada ou não) produzem a sensação de impotência e futilidade com respeito ao que nós mesmos fazemos, já que “parece não haver espaço para a agência em um mundo de impulsos neurais” (Nagel, 2004).
Sob a ótica desta perspectiva externa nós deixamos de encarar o mundo para nos tornarmos parte dele, pertencemos a um mundo que não criamos e do qual somos produto.
Mas Nagel também admite uma visão interna, aquela cuja sensação acompanha nosso dia-a-dia, sentindo-nos livres como agentes determinantes do mundo.
Nagel é cético quanto ao problema do livre-arbítrio, julgando-o insolúvel, mas almeja uma reconciliação entre a visão interna e externa em nosso agir, com uma visão que ele denomina visão objetiva essencialmente incompleta.
Com a visão externa “podemos descobrir que nossa liberdade é limitada. Mas podemos também refletir que nossas ações talvez sejam coibidas por uma influência que nós desconheçamos totalmente” (Nagel, 2004), um ponto cego para uma plena visão objetiva.
“O que se procura é alguma forma de tornar o ponto de vista mais objetivo a base da ação: de subordiná-lo à minha agência em vez de permitir que ele (e, portanto, eu) permaneça fora das minhas ações como um observador impotente.
(...) agir de dentro do mundo com base na visão mais objetiva de que sou capaz.” (Nagel, 2004)
A visão objetiva essencialmente incompleta não responde ao problema, mas garante que estaremos sendo o mais livre possível em nosso agir. Tomar a visão externa não mais como algo que necessariamente distancia o agente da vida prática, mas usá-la a favor desta, a fim de refletir sobre os próprios determinantes do agir, almejando um grau mais avançado de liberdade, tendo sempre em vista que uma visão objetiva plena nos é impossível.

Considerações Finais

Diante de tanta pluralidade em opiniões, o ponto de vista cético acaba se tornando cada vez mais atrativo.
O mundo físico que concebemos em nosso dia-a-dia parece regido por leis naturais que o tornam totalmente determinado, vemos as relações de causa e efeito em tudo. Já para o paradigma vigente na mecânica quântica, alguns fenômenos possuem causas não-lineares, tornando o nosso cosmo indeterminado quando visto em escala subatômica.
Talvez novas experiências empíricas na área da neurociência, como as realizadas pelo neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis na Universidade Duke nos Estados Unidos (Nicolelis, 2011), possam auxiliar na compreensão de nossos processos mentais a fim de esclarecermos qual é o nosso papel como agentes no mundo.
Mas até o fato de esperarmos que avanços em experiências empíricas nos auxiliem na resolução deste problema pode ser visto com muito ceticismo, devido ao seu caráter metafisico.
Tratando-se de um problema tão importante e que vem sendo tão vastamente discutido desde os antigos gregos, a opinião cética que acredita na impossibilidade de atingirmos uma resposta adequada vem se mostrando cada vez mais sensata, ou, para aqueles que acreditam que um dia seremos capazes de alcançar a verdade sobre este problema, por hora resta admitir, como nas palavras de Nagel: “(...) creio que nada até agora se falou sobre esse assunto que se aproxime da verdade.” (Nagel, 2004).


Referências

SCHOPENHAUER, Arthur. Os Grandes Clássicos da Literatura –Vol. III: O Livre Arbítrio. São Paulo: Editora Novo Horizonte, 1984.
NAGEL, Thomas. Uma breve introdução à filosofia. Trad. Silvana Vieira. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
MARX, Karl. Diferença entre as filosofias da natureza em Demócrito e Epicuro. Trad. Edson Bini e Armandina Venâncio. São Paulo: Global, [s.d.].
GARRETT, Brian. Metafisica –Conceitos-Chave em Filosofia. São Paulo: Artmed, 2008. Pág. 109-126.
NAGEL, Thomas. Visão a partir de Lugar nenhum. São Paulo: Martins Fontes, 2004. Pág. 183-228.
NICOLELIS, Miguel. Muito além do nosso eu. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

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